Com as Onças-pintadas, não podemos repetir os erros do passado

Wildlife Conservation Society
5 min readDec 17, 2019

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Por John Polisar | 6 de dezembro, 2019

O reduto da Onça-pintada estende-se por nove países, entre as florestas da Amazônia e Guiana, abrangendo mais de dois milhões de quilômetros quadrados. Neste reduto encontra-se a maior população de onças-pintadas do mundo — mais de 80% de todas os indivíduos do planeta. Porém essa população está encolhendo. Entre 2009 e 2018, esses nove países amazônicos perderam 244.000 quilômetros quadrados de mata correspondente a décimo do total de floresta desmatada em uma década.
Assumindo uma estimativa muito conservadora de 1,5 onças por 100 quilômetros quadrados, podemos dizer que 4.026 onças foram perdidas devido ao desmatamento e incêndios nos últimos 11 anos. Isso significa uma redução na população global da espécie de mais de 6%.

O desenvolvimento na Amazônia pode ser um fato, mas devemos aprender com os erros do passado. Em 1805, quando Lewis e Clark atravessaram o vasto interior do que posteriormente se tornou os Estados Unidos, suas planícies e montanhas abrigavam 30 milhões de bisões e diversas culturas nativas. No final do século XIX, restavam pouco mais de 500 bisões. Os povos indígenas haviam perdido a maior parte de suas terras tradicionais e se encontravam restritos as reservas.

©Anelise Montanarin

A resposta para reparar essa situação veio em ondas. Os dados alarmantes impulsionaram a criação de parques nacionais, florestas e refúgios de vida selvagem. A organização em que trabalho ajudou a impulsionar a recuperação do bisonte. Demorou 120 anos, mas em meio a uma economia próspera, também é possível protegemos a vida silvestre. Hoje, tribos, primeiras nações, conservacionistas, fazendeiros e governo estão trabalhando para recriar a América do Norte com bisontes. Hoje, a fauna das Montanhas Rochosas está a caminho de ser reabilitada novamente.

O desenvolvimento é inevitável, mas o equilíbrio deve ser colocado como prioridade. Os territórios indígenas existentes na Amazônia, as reservas de desenvolvimento sustentável e os parques nacionais devem ser respeitados e expandidos por corredores florestais que os conectem.

A perda de florestas é apenas uma das pressões sobre as onças-pintadas. O comércio ilegal aumentou nos países vizinhos; as estimativas de onças mortas para comércio no Suriname chegam a 80 por ano; as partes de onça-pintada interceptadas na Bolívia nos últimos cinco anos representam mais de 200 onças mortas. As populações humanas em expansão às vezes caçam de forma insustentável as presas de onças-pintadas. A criação de animais que invadem o habitat natural dos felinos pode levar a ataques de onças, provocando respostas letais. Às vezes, todas essas ameaças agem em conjunto e se potencializam.

A natureza que nos sustenta merece nossa consideração em troca.

As soluções são desafiadoras, mas existem. Um futuro seguro para as onças-pintadas pode também ser próspero para os seres humanos. Explico o porquê.

A persistência das onças-pintadas destaca a importância de unidades de conservação intactas. Em 2018, os países se uniram para desenvolver um Roteiro de Conservação da Onça-Pintada até 2030 para unificar os países da região da em um plano único que combina crescimento econômico com conservação da natureza. Mesmo em um nível nacional, estabilidade climática, proteção de bacias hidrográficas, recursos naturais renováveis e conservação da onça devem andar de mãos dadas. A conservação a larga escala ocorre de país em país.

©Carlos Durigan/WCS

O maior bioma brasileiro é a Amazônia. Reconhecendo os vínculos importantes entre onças-pintadas, conservação e desenvolvimento, 12 instituições formaram a Aliança Brasileira Jaguar da Amazônia, que busca promover o equilíbrio necessário para aperfeiçoar o desenvolvimento no contexto de territórios indígenas interligados, reservas de desenvolvimento sustentável e áreas protegidas, além de práticas agrícolas sustentáveis.

A exploração mineral, projetos de energia hidroelétrica e infraestrutura de transporte podem ser planejados afim de obter resultados de conservação bem-sucedidos. Estamos em 2019, não em 1819. Os métodos para alcançar o equilíbrio foram desenvolvidos e estão sendo aprimorados continuamente. O objetivo da Aliança Jaguar é a estabilidade e perpetuação da maior Unidade de Conservação da Onça-pintada do mundo, com foco em seu núcleo, a Amazônia brasileira.

A natureza que nos sustenta merece nossa consideração em troca. A Wildlife Conservation Society se concentra nos imensos, e ainda intactos, estados do Amazonas e Roraima.

Nossa visão e recomendação pressupõem um desenvolvimento inevitável, em conjunto com a implementação efetiva de áreas protegidas, respeito aos territórios indígenas e o estabelecimento e defesa de corredores florestais. Essa visão exige investimento público que pode também gerar oportunidades de emprego. Será necessário investimento em recursos humanos para garantir o cumprimento das metas acima e a implementação do Código Florestal brasileiro no desenvolvimento da agricultura e pecuária na região.

O desenvolvimento da Amazônia brasileira será mais adequado quando estiver associado a um zoneamento territorial de usos da terra. As opções permanecem. De maneira ideal, o setor privado, as agências governamentais, as universidades e a sociedade civil deveriam dialogar e debater, e ao menos concordar em aplicar práticas pragmáticas que evitam incêndios, regulem o desmatamento e reduzam o impacto de ambos sobre a vida silvestre, as reservas de carbono e o clima.

O Brasil é, de várias maneiras, o centro do mundo. Certamente está no centro do mundo da onça-pintada. Para a saúde ecológica e financeira de longo prazo do país, bem como a do planeta, o equilíbrio é o melhor objetivo. Em grande parte da Amazônia brasileira, isso ainda pode ser alcançado desde o início.

John Polisar é Coordenador do Programa Onça-pintada da WCS (Wildlife Conservation Society).

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